A “paz de espírito” como um estado de paz suprema em que nada pode me abalar e tudo dentro de mim repousa em harmonia é o oposto do que a psicanálise nos ensina sobre a vida mental.
Em nosso inconsciente predominam nossas fantasias infantis mais terroríficas e nossos maiores conflitos. Também habitam lá nossos objetos internos bons, mas há uma eterna luta entre forças pulsionais contraditórias tentando predominar sobre outras.
Não há paz em nosso espírito (mente). A paz significaria uma estagnação – parar o progresso psíquico. Por mais que sejamos pessoas muito analisadas, ninguém se livra da totalidade dos seus conflitos – é isso que dá o tom da nossa personalidade. O que atingimos é um grau de adaptação que nos permite andar na corda bamba, mas não impede de às vezes pender para um lado. Desde que a gente não caia, já está de bom tamanho.
Não há como impedir a vida de seguir seu curso e nos surpreender. Não tem como se preparar pra todas as adversidades nem impedir o sofrimento. Permitir que as coisas nos toquem é importante porque é disso que depende o encontro. O encontro no sentido psicanalítico que permite que o outro nos toque subjetivamente. A paz de espírito não compreende o fato de que, onde há uma relação, há o mal entendido porque encontramos ali a alteridade.
Bem que a gente gostaria de se livrar dos nossos “fantasmas internos”, mas certamente nossa vida perderia muito da graça e do sentido se isso acontecesse.